domingo, 21 de setembro de 2008

Self-service


Que curioso é o self-service. Tenho a impressão de que além das comidas há a possibilidade de se escolher pessoas, cada qual com suas vidas e valores, nutritivos ou não. Vejo como essa fauna de humanos famintos, portanto vulneráveis, congregam-se em torno de um balcão que exala um odor oleoso de fritura e temperos quentes. Os seus olhos inquietos buscando as opções do dia, que travessa será a menos remexida?, que arroz parece ter menos perdigotos?, será isso peixe ou frango?, e essa carne, será alcatra? Tudo é muito engraçado e a fome é o norte.
Vejo entrar a senhora gorda, com os cabelos acaju e bem ressecados, que sempre olha de esguelha todos os pratos dos que já comem, precisa saber o que se tem para comer hoje, mas o balcão é demasiado longe e sua fome é curiosa. Passa por mim e deixa o cheiro de quem assiste muita televisão e reclama sempre que pode, de qualquer coisa que seja, apenas para que a notem. Repara nos pratos de todos, mas é incapaz de reparar em si própria.
Passa por mim e logo a esqueço. Quem entra agora é a velhinha manca, aquela que anda como uma moeda jogada ao chão aleatoriamente: seus joelhos não dobram e tenho a impressão de que a qualquer hora ela vai cair. E vai dar coroa. Essa, antes de servir-se, põe a bolsa em sua mesa de todo dia e segue quase que quicando para o balcão. Que medo que tenho dela virar com prato sobre mim.
Bem, não tinha percebido que o senhor que sempre é o primeiro a chegar ao restaurante já paga para sair. Sempre com seus ternos pastéis e óculos discretos é quase como se não existisse. Já está pelos setenta e, pelo seu mastigar melancólico, deve ser sozinho. Sem filhos ou esposa. Creio até que não lhe apeteça muito as senhoras: anda delicado. Nunca escutei sua voz, mas acho que poucas pessoas devem tê-la escutado também. Parece de poucas palavras. Poucas e fluidas. Todos os dias ele come salada de frutas depois do almoço. Passa o dia passeando pela Marquês de Abrantes, isso eu sei porque já me deparei com ele algumas vezes. Certo dia ele me olhou, mas não percebeu que eu o notara. Agora já não está mais aqui.
E a garota bonita?, também já está acabando de almoçar. Come pouco e com calma. Sei que gosta de pastel e de bolinhos de queijo e presunto. Come com vontade e aproveita o sabor de tudo. Durante muito tempo só a via de costas, com seus cabelos longos e lisos. É baixa, séria, e tem o olhar vivo, muito vivo. Há um peso que aos seus olhos impede de serem rápidos, pois olha com parcimônia e cautela, é como se em cada coisa sobre a qual debruçasse seu olhar deixasse um pouco de si mesma. Como deve ser forte. Já anda com as chaves de casa na mão.
Que estranho, a senhora maluca, a que usa o cabelo em rabo de cavalo sobre a orelha direita e um colar de pérolas feito de um plástico duro e branco, hoje se atrasou. Ela não gosta que se guarde lugar para outras pessoas. Ela fala mesmo. Mas todo mundo já a conhece: é maluca por unanimidade. Pendura sua bengala no espaldar da cadeira e segue para o balcão. Olhos grandes de quem se assusta com tudo. Olhos grandes mesmo, deve ser cansativo piscar com esses olhões. Certa vez eu lhe respondi sobre o que era aquilo que estava na travessa e ela me achou muito gentil e educado. Falou que pareço com um ator de televisão, de não sei que novela, não sei que canal. Nesse mesmo dia a vi entrando no meu prédio. Que coisa, a senhora doidivanas é minha vizinha. Mais um maluco no condomínio. Que curioso, parece que hoje não comerá aqui. Que engraçado, pôs tudo no prato e disse para a garota que pesa a comida que é para viagem. Que confusão, a garota diz que ela precisa passar tudo para a quentinha, ela passa e a comida fica toda desorganizada. Bem, agora a comida combinou com a faminta de pensamentos desorganizados.
Será ela sua avó? Sempre os dois almoçam juntos e não se parecem muito. Que garoto bonito. Pele rosada e cabelos louros encaracolados. Creio que ele deve se exercitar antes do almoço, pois sempre está com uniforme de quem joga qualquer coisa. Apesar de novo, parece conversar como gente crescida. Não é do Rio, estou seguro, pois já o ouvi falando para a senhora de uma viagem, acho que Minas, sim, era Minas. Acho que a senhora vive só e a companhia do garoto a faz feliz. Eles se dão realmente bem. Talvez não sejam parentes.
Aqueles dois são taxistas. Desinteressantes e alienados. Um parágrafo apenas basta. Só para constar.
Esse casal também está sempre por aqui. Ambos parecem bem práticos. Servem-se rápido e conversam sempre. Ela tira os sapatos para comer e ele mastiga rápido. Devem ser namorados, namorados maduros, pois ambos já passam dos quarenta. Ele tem um filho que certo dia veio buscar dinheiro, não sei nem porque ou para que, mas sei que cumprimentou a senhora de um jeito como se cumprimenta a amiga de um pai. Almoçam e ela também gosta de frutas.
Eu almoço com calma e gosto dos pastéis daqui, mas evito comê-los pois me dão azia. A gerente do restaurante, que fica no caixa, é simpática e tem olheiras. Deve ter filhos ou é solteira e cuida da mãe quando chega em casa. É muito calma e sempre sorri para os clientes. Não gosta que eu use barba, não que ela tenha dito que não gosta, apenas perguntou quando eu a faria. Sempre me oferecia balas mas, como nunca aceitei, parou de oferecer. Hoje me deu vontade de chupar uma bala, mas como fiquei com vergonha de pedir e como ela não oferecesse, acabei ficando sem bala.

4 comentários:

Rachelbmonteiro1 disse...

Diii aqui é Rach, Diiii, se foi vc quem fez o post ficou ótimo..
Bom acho q foi vc mesmo, pq tem certa palavras q só vc diz...
caraa, eu me acabeid e sorrir...adorei mesmooo.
Tá escrevdno bem, e observando tmb hein?
vai lá no meu...
www.rachelbmonteiro1.blogspot.com

o meu parece uma feira tem de tudoo
beijos Rach
,,

Unknown disse...

ficou massa brother!!
heheheh
mto engraçado
lembrou-me paulo coelho. citações.
hehehe
abraço

Luís Mendes disse...

credo, thiago...paulo coelho??

Unknown disse...

eh po. as descriçoes e tals..

Kandinsky

Kandinsky
looking for the rabbit...